Pés - parte 1

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Essa foto foi feita por mim no mês de outubro do ano passado. Quando cheguei à parada para esperar o ônibus por volta das 13h, havia um rapaz sentado meio de lado com um dos pés sobre o banco e todas as outras pessoas estavam em pé. Pedi licença para me sentar e ele com um olhar perdido, mas com olhos muito abertos, afastou-se um pouco. Puxei assunto e notei que algumas pessoas passaram a observar o diálogo. Ele não dava respostas claras e alguns sons eram emitidos monossilabicamente. Recordo de uma das respostas: “Não tenho sonho”. Incisiva perguntei novamente: “Não tem nenhum sonho, um desejo?” “Não”. Tirei da bolsa a câmera fotográfica, movimento este acompanhado por seus olhos curiosos e perguntei a ele se o podia fotografar. Balançou a cabeça afirmativamente e um breve sorriso apontou dos seus lábios e seu olhar brilhou... Comecei fotografando seus pés sobre o banco e fiz outras imagens registrando-o como em retratos. Ele gostava e não negava poses. Paramos e ele, que havia se colocado em pé para as fotos, voltou ao banco. Nesse momento chegou um outro rapaz, sentando entre nós, pôs-se a beber água. Nosso personagem pediu um pouco da água, no que este então sugeriu que conseguisse um copo. Ele foi até um quiosque ao lado e não voltou. Ficamos conversando a seu respeito com a participação dos demais que se encontravam em pé. Curiosos passamos a procurá-lo com os olhos, no que descobrimos aliviados que ele estava sentado sob uma árvore próxima e havia conseguido mais que um copo descartável, mas um marmitex e matava sua fome, talvez esquecido de que alguém levava dalí sua imagem. Hoje, quando olho suas fotos, vem ao meu pensamento a pergunta: por onde pisam esses pés sedentos de rumo e sentido...? Ou talvez o que ele sabe fazer é voar, pairando alto sobre as nossas preocupações pequeno-burguesas. Ou não...

7 comentários:

Anônimo disse...

Poesia, Beleza... Silêncio !
O texto coloca essas palavras em evidência e dá vida as mesmas.
É bom existirem blogs que tragam essa essência novamente ao humano e assim ele possa fazer o papel de espécie-moradora-consciente no Planeta. Preciso estar satisfeito com minha alma e assim ter espaço pra ver o outro, e o Ambiente Natural com mais respeito.
Gostei !!
Cláudio Moraes
Gestor Ambiental, BsB - DF.

zecezar disse...

Ta virando uma contadora de causos de mão cheia.

RuizTorres disse...

Blog que tem futuro
nando

RuizTorres disse...

E bom descubrir Significancias que valorem a comunicacao entre os seres humanos, desta forma mudaremos um poquinho um mundo para melhor.
Nando

Lucas Neiva disse...

Imagens... Palavras...
O suficiente para nos fazer galopar pelo mundo das idéias...
Me faz lembrar os "nossos" meninos e meninas em situação de rua...
Quando penso nos pés de Modotti descrevendo um camponês mexicano, ou nos pés de Salgado, com os trabalhadores do nossos sertão nordestino, me dou conta de que esses pés estavam mais degradados, corroídos pela aspereza de anos na terra... Ontem, eu estava sentado ao chão, conversando com um adolescente em situação de rua (17 anos) que, sob efeito de substâncias, me dizia com dificuldade que gostaria de ser internado para tratamento. Seus pés eram como aquele retratado por Marisa... pés sujos mas não degradados - ao contrário de sua voz, sua feição, seus sonhos...
Já não tarda o dia em que terei sauades dos pés de Modotti e de Salgado...
Parabéns Marisa, pela sempre presente sensibilidade...
Com carinho,
Lucas Neiva - Porto Alegre, RS

Marisa. disse...

Lucas, querido...
a idéia é essa, poder mostrar o cotidiano dos lugares por onde passo, atentando para os detalhes provavelmente desapercebidos pela maioria, que ocupados com suas vidas, escolhem parafinar. Os pés de Modotti e Salgado estão por toda parte e em todas as épocas. O pó depositado debaixo das unhas quebradiças dos trabalhadores camponeses e das cidades, a graxa lustrosa sobre a pele do/a menino/a que está na rua, denunciam existências que ora são negadas, ora exploradas, entrelaçadas nas tramas do poder. Podemos enxergar poesia? Beleza? Há a tal estética da pobreza? Que caminhos são esses percorridos, a quem pertence o chão que pisam? São donos dos seus passos? Somos donos dos nossos passos? Enfim, obrigada pela preença e pelo carinho. Marisa.

Anônimo disse...

Olá, Marisa.

Nem precisa aprovar o comentário. Só passei para dizer um "oi", já que nestas férias não fomos em BSb, então não pude ver vocês novamente. Parabéns pelo blog!... cutuca na gente a vontade de pensar, sentir, olhar o mundo com olhos de novidade... Bjos, Zildo.