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Giorgio de Chirico, Mistério e melancolia de uma rua, 1914.
A última vez que passei em frente à casa, já havia movimento e luzes. O carro na garagem anunciava a volta da família, não de uma viagem de férias, mas do afastamento necessário para descanso dos sentimentos, da ferida que deve ter se aberto quando do susto com o estrondo, ecoando-se em dor.
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É uma casa branca, das que costumam chamar de original, pois são casas construídas pelo governo e entregue às famílias no princípio da cidade, sem reforma e muitas modificações. Há um cipreste já árvore, podada em forma redonda, dentro do quintal com grade na frente. O último movimento que percebi alí, antes dos dias de silêncio absoluto e luzes apagadas, foi o de pessoas na calçada, como que aguardando para entrar. Do outro lado da rua, em frente, havia mais algumas pessoas, num lance de olhos percebi um ou dois fotógrafos. Estranhei. Chovia fino, dessas chuvas retardatárias já em época de seca, não esperada. A expressão triste e pensativa das pessoas, o silêncio, a sombra da noite, as luzes dos postes, o movimento lento, mas constante dentro da sala da casa, a chuva fina caindo.... ficou aquela cena em minha mente. Breve e densa, como um silêncio eterno ensurdecedor. Grito abafado, lágrima que arde nos olhos, mas não rola na face. Tempo feito de cristal opaco. Uma pintura Metafísica.
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Dentre todas as especulações, a tida como verdade: ele tinha quatorze anos, estava com o irmão e outros cinco meninos e meninas em sua casa, observava a brincadeira do grupo com uma arma e recebeu o tiro. O irmão e ele estudavam à tarde, na mesma escola para onde eu seguia à noite para ensinar sobre essas coisas de arte, quase como essa que eu vesti meus olhos por instantes, sem as colunas gregas, enquanto passava em frente a sua casa.
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Enquanto discute-se sobre o enriquecimento de urânio, sobre a industria bélica, o tráfico, a lei do desarmamento, meninos de dezesseis anos mexem com armas e são presos.
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O menino de quatorze anos, com seu uniforme, foi estudar arte no céu..