Pés de Modotti

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"O que vemos quando olhamos essa cópia fotográfica é algo inequívoco: os pés com sandálias de um camponês mexicano, de roupa branca, própria para o trabalho, unhas quebradas e pele impregnada de poeira, enquanto as mãos estão cruzadas sobre os joelhos e seguram-se mutuamente, envelhecidas e com veias saltadas. Acima dos joelhos, a linha superior da moldura corta o resto do corpo do homem: o único elemento adicional na foto é um relance do pé e da perna de outro homem, muito pouco visíveis no lado esquerdo, impedindo que a composição se torne confortavelmente simétrica demais. Acho essa imagem inexplicavelmente tocante."

Pés - parte 1

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Essa foto foi feita por mim no mês de outubro do ano passado. Quando cheguei à parada para esperar o ônibus por volta das 13h, havia um rapaz sentado meio de lado com um dos pés sobre o banco e todas as outras pessoas estavam em pé. Pedi licença para me sentar e ele com um olhar perdido, mas com olhos muito abertos, afastou-se um pouco. Puxei assunto e notei que algumas pessoas passaram a observar o diálogo. Ele não dava respostas claras e alguns sons eram emitidos monossilabicamente. Recordo de uma das respostas: “Não tenho sonho”. Incisiva perguntei novamente: “Não tem nenhum sonho, um desejo?” “Não”. Tirei da bolsa a câmera fotográfica, movimento este acompanhado por seus olhos curiosos e perguntei a ele se o podia fotografar. Balançou a cabeça afirmativamente e um breve sorriso apontou dos seus lábios e seu olhar brilhou... Comecei fotografando seus pés sobre o banco e fiz outras imagens registrando-o como em retratos. Ele gostava e não negava poses. Paramos e ele, que havia se colocado em pé para as fotos, voltou ao banco. Nesse momento chegou um outro rapaz, sentando entre nós, pôs-se a beber água. Nosso personagem pediu um pouco da água, no que este então sugeriu que conseguisse um copo. Ele foi até um quiosque ao lado e não voltou. Ficamos conversando a seu respeito com a participação dos demais que se encontravam em pé. Curiosos passamos a procurá-lo com os olhos, no que descobrimos aliviados que ele estava sentado sob uma árvore próxima e havia conseguido mais que um copo descartável, mas um marmitex e matava sua fome, talvez esquecido de que alguém levava dalí sua imagem. Hoje, quando olho suas fotos, vem ao meu pensamento a pergunta: por onde pisam esses pés sedentos de rumo e sentido...? Ou talvez o que ele sabe fazer é voar, pairando alto sobre as nossas preocupações pequeno-burguesas. Ou não...

Colheita

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É tempo de goiaba. Aqui há um pé delas que cresceu entre um muro vizinho e nossa casa. O espaço é pequeno, muito diverso daqueles espaços para pés-de-goiabas da minha infância. Mas ele cresce rumo ao céu, ao sol e frutifica que é uma beleza e gostosura! Minha mãe colhia couves no jardim, junto às rosas elas cresciam com suas largas folhas e poderiam alimentar muita gente. Ofertar o ferro de Marte. Nessas horas penso nos latifúndios e naqueles que passam fome...

























"De noite o silêncio estica os lírios"

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Manoel de Barros é um dos poetas mais belos que já li. Quando leio seus poemas, tenho a certeza de que ele já entrou dentro de uma folha, que conhece a estrutura das pétalas das flores por terem-nas visitado nas suas entranhas. Penso também que em criança já brincou com os calangos de pique-pega, pique-esconde...

Significâncias...

Quando manifestou em mim um suave desejo de criar um blog, passaram pelos meus pensamentos algumas palavras, alguns possíveis nomes para o evento. Nomes são coisas muito complicadas para quem possui uma mente funcionada pela visualidade. Sou daquele tipo de gente, que ao encontrar com uma pessoa que há muito não vê, recorda a cara mas o nome, nem pensar! Mas eu gosto das palavras. Pra mim elas têm gosto, cheiro e cutucam meus sentidos. Como a imagem. Lendo Mário Quintana encontramos a pérola: "Para que nomes? Era azul e voava..." Há verso mais belo e útil que esse para uma pessoa como eu? Nelson Rodrigues, no seu texto "A valsa número 6", faz os nomes subirem pelas pernas da personagem e quando leio e vi sua interpretação, imaginei formigas lava-pés subindo pelo seu corpo como tanques de guerra numa batalha interminável! Como gosto daquele texto, por causa dessa passagem... como conseguem esses poetas/escritores falarem tanto da gente assim...? Pois é assim mesmo que me sinto, nesse bombardeio histórico de palavras, desde a criação da escrita, dividindo o tempo, criando marcos entre aquilo que é ou não é história! E o meu medo quando desse assunto em sala de aula, que os alunos pensem que não havia vida antes da escrita, já que não teria história! Tudo bem, meus colegas me tranquilizam, dizendo que os autores estão revendo essa questão ou que há contradições a esse respeito, mas mesmo assim mete medo! Então, voltando ao título do blog, resolvi colocar esse lá em cima: significâncias... porque pra mim é importante o significado das coisas ou melhor, é importante fazer com que a nossa vida tenha significado. Um significado verdadeiro, perceptivo, com cheiro, gosto, tato! Essas coisas que esquentam o interior da gente e altera um pouquinho nossa respiração. Que faz brilhar os olhos. Que planta saudades dentro da gente, saudade que faz contar histórias da nossa vida. A vida é a coisa mais importante. Ela precisa ser cuidada com responsabilidade. Coisa essa que não acontece. Ela transformou-se historicamente em produto para barganhas em nome do poder ou poderes. E a luta pela vida bem vivida só pode ocorrer se houver significado. Se houver sentido em viver. Pelo amor a alguém, por uma causa, pelos prazeres do corpo, pelo desejo de desvendar os segredos do universo, pelo saber, pelo riso, alma, corpo, mente...sei lá... pra isso é preciso liberdade... alimento... casa... proteção... sol... água... ar... beleza... flores... pensamento... opinião... vontade... busca... arte... ciência... tecnologia.....................só que para todos! Todos...